sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

COMO FALAR: RISCO DE MORTE ou RISCO DE VIDA?

Quando criança, diante da TV e de uma notícia de alguém com possibilidades de vir a morrer, sempre ouvir:

APESAR DAS GRAVIDADES DO ACIDENTE, O PILOTO NÃO CORRE RISCO DE VIDA.

De alguns anos pra cá, passei a ouvir a maioria dos repórteres dizer: RISCO DE MORTE.

Pensei: é, mudaram também essa expressão. Na minha ingenuidade e comodismo intelectual, achei que era mais uma mudarça ortográfica qualquer.

Para minha surpresa, semana passada ouvi um repórter anunciar: RISCO DE VIDA.

Pensei: êpa, tem alguma coisa errada!

Afinal de contas, é RISCO DE MORTE ou RISCO DE VIDA?

Pesquisei e, para minha surpresa, vi que as idéias por trás das duas expressões são as seguintes:


-risco de morte- 

Diz-se que esta forma
é a mais coerente
, pois só pode correr "risco de vida" um morto que está em condições de ressuscitar. Assim, há risco em morrer e não em viver, já que não há a ressurreição logo após a morte de alguém.

Se a existência do risco é sempre ligada a algo ruim

("risco de pegar uma infecção", "risco de ser contaminado", "risco da seleção brasileira de futebol perder a taça da Copa", "risco de ficar sem emprego", "risco de contrair uma doença" etc.),

parece lógico que "risco de morte" (como "risco de morrer") seja mesmo a expressão mais indicada.

Porém....


-risco de vida- significa “risco de perder a vida”.

Por que essa forma não tem base gramatical para ser ABOLIDA?

A Gramática Normativa registra como FIGURAS DE SINTAXE. O que significa isso? O que é uma sintaxe?

SINTAXE é o estudo das palavras numa frase, as suas relações de concordância, de subordinação e de ordem. Nesse estudo se observa vários fenômenos, a ELIPSE é um deles.

O que é uma ELIPSE?















Segundo Evanildo Bechara, gramático respeitado nos meios acadêmicos e autor de muitos livros ligados à Língua Portuguesa,


ELIPSE é a omissão de um termo facilmente subentendido por faltar onde normalmente aparece, ou por ter sido anteriormente enunciado ou sugerido, ou ainda por ser depreendido pela situação, ou contexto.*

* BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004, p. 52.




Em outras palavras, ELIPSE é um meio de "ECONOMIZAR" palavras.

Em RISCO DE VIDA, a ELIPSE (a "economia") ocorre com PERDER A.

RISCO DE [PERDER A] VIDA.

A legitimidade do uso de RISCO DE VIDA já está presente em nossa língua há séculos. Sempre quando algum escritor queria dizer que alguém estava para pôr a vida em risco ou ainda, arriscar a vida, a expressão RISCO DE VIDA aparecia.
Dessa forma a expressão pode ser encontrada em obras de Machado de Assis, Eça de Queirós e outros.

O curioso é que na expressão RISCO DE MORTE, também há uma ELIPSE:


Risco de morte vem de risco de [encontrar a] morte.

A idéia de um "ENCONTRO" vem da personificação que se faz da morte, geralmente um anjo de capus com uma foice na mão. Daí RISCO DE ENCONTRAR O ANJO DA MORTE.

As línguas mais afiadas dizem que o causador da polêmica é um consultor que oferece seus "serviços" às redes de comunicação do país. Será que ele quis "justificar" o seu salário?

Contudo, a verdade, como vimos, é que as duas formas são possíveis.

Como o RISCO DE VIDA já acompanhava o falar de acadêmicos, da imprensa e até dos menos gramaticados, por que mudar?


Em entrevista publicada pela VEJA.COM, Evanildo Bechara disse o seguinte:

Risco de vida – Há professores que condenam essa expressão. O correto seria "risco de morte". Nesse caso, porém, é o uso que dá a norma – e o uso consagrou "risco de vida"
http://veja.abril.com.br/050308/p_114.shtml


Portanto, nem pense em dizer que uma ou outra forma É ERRADA!

Para concursos públicos, o melhor é consultar o professor do cursinho preparatório (se for caso) ou garantir a reclamação junto aos organizadores das provas, com uma boa gramática na mão.

5 Comentários:

Às 8 de dezembro de 2009 às 13:25 , Blogger Unknown disse...

Caro Wellington,

Primeiramente parabéns pelo blog, com um conteúdo bastante abrangente você consegue retratar de assuntos interessantes, polêmicos, sem, contudo deixar os textos chatos de se ler.
Mas em relação ao assunto principal...Sinceramente achava que “Risco de vida” estava errado, já que nós já estamos vivos, portanto ao meu ver “risco de morte” (risco de morrer) seria o mais adequado. Um tópico interessante neste post foi o uso da elipse, pois não tinha parado para pensar em uma elipse na frase “risco de vida”. Contudo uma duvida minha “prof. Wellington”, elipse pode ser usada em uma frase sem conectivo? Ex: “Maria foi ao mercado e a padaria” facilmente percebemos o conectivo “e” ligando uma frase na outra e dando a idéia de que há uma elipse na oração. A oração sem a elipse seria “Maria foi ao mercado e Maria foi a padaria”. Agora sem o conectivo qualquer frase poderia tem uma elipse oculta e nunca saberíamos não concorda?
Enfim, mais uma vez percebo a complexidade do nosso português. Continue postando temas interessantes e sempre que puder eu comentarei. Abraços e boa semana!

 
Às 11 de dezembro de 2009 às 06:55 , Anonymous Anônimo disse...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

 
Às 11 de dezembro de 2009 às 06:59 , Blogger Wellington Ramos disse...

Prezado "lucasgaff",

Obrigado pela participação. Que bom que aprovou o blog.

Olha, tanto em RISCO DE VIDA quanto em RISCO DE MORTE há a PREPOSIÇÃO "DE", um CONECTIVO. Certo?

Essa preposição une o substantivo RISCO aos outros substantivos 'MORTE' e 'VIDA'.

Como substantivo não modifica outro substantivo, a preposição "de" faz o papel de "transpositor", ou seja, permite essa modificação, transpondo para os dois substantivos(VIDA e MORTE)o papel de ADJUNTO ADNOMINAL.

Segundo o próprio Bechara, na gramática supra citada (págs.593), existe a elipse nesse conectivo. O gramático dá como exemplo a frase:

"vestido de cor de rosa", cuja elipse em "de", torna a frase mais "simpática":

VESTIDO COR DE ROSA.

Alías, é assim que se escreve e fala comumente.

Em suma:

VESTIDO [DE]COR DE ROSA.(Em destaque, a preposição)

VESTIDO COR DE ROSA. (Frase após a elipse).

No exemplo que você trouxe, a ELIPSE ocorre não na conjunção "E", mas no sujeito "Maria", ocultado na segunda oração. É aquilo que alguns gramáticos chamam de SUJEITO OCULTO.

O renomado linguista J. Mattoso Câmara Jr., em seu Dicionário de Filologia e Gramática (4ª edição - J.Ozon+Editor, p.156)define a ELIPSE como

"Omissão, numa enunciação linguística, do termo presente em nosso espírito, porque se depreende do contexto geral ou da situação"

Dá para perceber, assim, que a ocorrência da ELIPSE vai além dos conectivos.

Obrigado, mais uma vez, pela colaboração, "lucasgaff".

Abraços, querido!

P.S.: Para que eu possa informar as atualizações de nosso blog, deixe o seu e-mail.

 
Às 12 de dezembro de 2009 às 06:48 , Blogger Unknown disse...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

 
Às 17 de dezembro de 2009 às 04:58 , Anonymous Anônimo disse...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

 

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial